quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Reportagens

09/04/2009 - 23:59 - ATUALIZADO EM 10/04/2009 - 02:16
“Mulher que se acha feia não transa”

Especialista em doenças da beleza afirma que a obsessão pela estética acaba com a libido
MARTHA MENDONÇA
No país em que o músico e poeta Vinícius de Moraes definiu que ser bela é fundamental, as mulheres se sentem angustiadas quando se acham feias. E mais, muitas estão ficando doentes ao se sentir insatisfeitas com o corpo. A conclusão é da psicóloga carioca Joana de Vilhena Novaes, autora do livro O insustentável peso da feiura (ed. PUC/Garamond). Doutora em psicologia clínica e criadora e coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-RJ, Joana diz que as mulheres de classe média infelizes com sua imagem estão perdendo o apetite sexual. O mesmo, porém, não acontece com as mulheres pobres, alvo de sua mais recente pesquisa, a ser publicada em julho deste ano no livro Com que corpo eu vou? . A seguir, trechos de sua entrevista.
André ArrudaQUEM É Carioca, de 32 anos, solteira 

O QUE FEZ Doutora em psicologia clínica, criou o Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-RJ. É pesquisadora do Centro de Pesquisas de Psicanálise de Medicina da Universidade de Paris 

O QUE PUBLICOU É autora de O insustentável peso da feiura. Vai lançar Com que corpo eu vou?
ÉPOCA – O que é doença da beleza?
Joana de Vilhena Novaes – O nome surgiu em meu primeiro livro, O insustentável peso da feiura (ed. PUC/Garamond). Durante sete anos, atendi na Clínica Social da PUC-RJ pessoas insatisfeitas com sua imagem corporal. A forma como elas tentavam se adequar ao padrão de beleza muitas vezes era dolorosa, e não fazer nada para se adequar igualmente causava angústia. As pessoas limitam sua vida social, deixam de usar determinadas roupas, ir à praia ou mesmo às festas. Muitas não namoram. Na psiquiatria, chamamos essa doença de dismorfia corporal. Às clássicas anorexia e bulimia se juntam hoje a ortorexia, que é a compulsão por alimentos naturais, e a vigorexia, que é a dependência de exercício físico. As múltiplas intervenções cirúrgicas também entram nessa lista. Importante ressaltar que esse grupo de doentes da beleza é um número exponencialmente crescente.
ÉPOCA – Que doenças da beleza crescem na classe média?
Joana – Todas crescem, sem exceção. Uma novidade é o aumento da cirurgia bariátrica, que reduz o estômago. E o interesse por essa cirurgia como forma de emagrecer está causando distorções. Pessoas que não têm o peso suficiente para a indicação da cirurgia e que não conseguem fazer regime e exercício preferem engordar até chegar ao ponto certo para ser operadas. Outro tipo de operação que está crescendo é a cirurgia da intimidade. Por meio de métodos abrasivos, mulheres têm procurado médicos para clarear, diminuir ou aumentar o clitóris. Existem até adolescentes que, insatisfeitas com seu clitóris, fazem cirurgias para tentar se adequar a algum modelo que idealizam. Em breve, teremos um boom de modelos de genitália. De modo geral, a cosmetologia da genitália tem crescido muito. É hoje uma das grandes buscas das mulheres de classe média e alta. Fora isso, têm aparecido muito os quadros mistos de doenças. Anorexia alternada com compulsão alimentar tem sido constante.
ÉPOCA – O livro que está para lançar, Com que corpo eu vou? , mostra como mulheres de comunidades carentes vivem essa obsessão pela estética. O que descobriu?
Joana – Pesquisei três comunidades do Rio de Janeiro e notei que elas veem essa questão de uma forma diferente da classe média e alta. Elas também desejam se adequar a um padrão de imagem. Procuram dietas nos postos de saúde e inventam formar criativas de fazer exercícios em casa. Muitas saltam do ônibus três pontos antes para fazer caminhadas. Outras criam equipamentos, como duas latas de tinta em cada lado de um cabo de vassoura, para exercitar os bíceps. O culto ao corpo, portanto, está presente. A diferença é que, ao contrário da mulher de classe média, elas não temem se expor quando seus corpos não estão em conformidade com o padrão. Usam roupas provocantes e vão à praia. E, sobretudo, não deixam de exercer plenamente sua sexualidade. Isso é o que mais as difere da classe média, em que as mulheres estão se reprimindo de forma avassaladora quando não se sentem felizes com o corpo.
“Meninas de 6 anos se recusam a comer pizza ou tomar
refrigerante porque dizem que dá celulite”

ÉPOCA 
– Mulheres de classe média estão fazendo menos sexo por causa da obsessão pela estética?
Joana – Sim. A necessidade de se adequar aos padrões está acabando com a autoestima e a libido dessas mulheres. Trata-se de uma cultura opressiva. Se ela não se sente esteticamente adequada, desejada, então reprime sua sexualidade. As cirurgias plásticas podem ser boas quando elevam a autoestima da mulher. Mas rapidamente surgem novas insatisfações. Essa necessidade de adequação causa muito sofrimento. Nas comunidades de baixa renda, não acontece dessa forma.
ÉPOCA – Por que essa diferença?
Joana – O motivo passa por razões históricas. O corpo das classes menos favorecidas é o corpo do trabalho e a relação com a comida é muito distinta. Para quem é pobre, ter o alimento na mesa é um valor. Para essa pessoa, para esse corpo, existe sempre o fantasma de uma privação não voluntária. Sem falar que ainda há no imaginário social a associação entre gordura e prosperidade. O que torna a questão do peso elevado uma questão não tão catastrófica quanto nas classes média e alta. Consequentemente, os parâmetros de magreza e gordura se alteram. Como psicanalista, vejo uma relação estreita entre comida e sexo. A primeira relação do sujeito com o próprio corpo é por meio da mãe que alimenta. O corpo é sexualizado a partir da comida que recebe.
ÉPOCA – Quando começa a preocupação com a beleza?
Joana – Eu diria que já na primeira infância. Os pais exercem uma regulação ferrenha, como fazem a si mesmos – ou até mais. Atendo no consultório meninas de 6 anos que se recusam a comer pizza ou refrigerante e explicam que dá celulite. É claro que elas não descobriram isso sozinhas. Trata-se de um discurso imposto em que elas passaram a acreditar. Vivemos uma ditadura da beleza. Não é apenas uma questão de autoestima. Quem não se enquadra sofre uma exclusão real. O resultado de tudo isso é que as doenças relacionadas à imagem emergem de forma violenta. O sujeito passa a ser algoz do próprio corpo. 

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